segunda-feira, 16 de junho de 2008

STJ julga caso da Convenção de Haia sobre os aspectos civis do seqüestro de menores

Uma das dificuldades da pesquisa sobre o tema de seqüestro de menores é ter acesso a resenha dos casos já julgados, pois muitos deles correm em segredo de justiça. A Conferência da Haia, para dar maior publicidade aos casos já julgados internacionalmente possui uma base de dados, chamada INCADAT, onde é possível pesquisar os casos julgados nos países parte da Convenção.
O Brasil ainda não está mandando notícia de seus casos para essa base de dados, mas uma das propostas desse blog é ir fazendo esses resumos para que também no Brasil possam estar disponíveis notícias dos julgamentos.
A primeira resenha, feita abaixo, cuida de um recurso especial, julgado pelo STJ e o estilo de resenha, segue, na sua maior parte, o sistema da base de dados da Conferência da Haia. Para ter acesso à íntegra do acordão, basta ir no portal do STJ, em www.stj.gov.br, colocar o número do resp e consultar todo o acórdão na página de movimentação do processo.

STJ - Recurso Especial n. 900.262
TEMA: Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Seqüestro de Menores

a) Dados do caso
Fonte: Sítio oficial do STJ
Data do julgamento: 21 de junho de 2007
Relator: Ministra Nancy Andrighi
Requerente: DGG (pedido privado do pai – residente nos Estados Unidos)
Requerido: BBG ( mãe brasileira que trouxe o filho para o Brasil)

b) Ementa
Direito processual civil. Busca e apreensão de menor. Pai americano. Mãe
brasileira. Criança na companhia da mãe, no Brasil. Convenção de Haia sobre os
Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de Crianças. Situação consolidada. Risco
de danos psíquicos e emocionais se houver retorno da criança ao país de origem
(Estados Unidos).
- Não se conhece do recurso especial na parte em que fundamentado em temas
não apreciados pelo Tribunal estadual, o qual adotou premissa diversa da
pretendida pela parte.
- Deve-se levar em consideração, em processos de busca e apreensão de
menor, a condição peculiar da criança como pessoa em desenvolvimento, sob
os contornos constitucionais, no sentido de que os interesses e direitos do
menor devem sobrepor-se a qualquer outro bem ou interesse juridicamente
tutelado.
-Este processo não busca definir a guarda do menor; apenas busca decidir a
respeito do retorno da criança para a residência de onde foi transferida, no
caso, Estado de Nova Jersey, Estados Unidos da América.
- A Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de
Crianças possui o viés do interesse prevalente do menor, porquanto foi
concebida para proteger crianças de condutas ilícitas.
- Seguindo a linha de proteção maior ao interesse da criança, a Convenção
delimitou as hipóteses de retorno ao país de origem, mesmo diante da conduta
ilícita do genitor em poder do menor, com exceções como as existentes nos arts.
12 e 13 do referido diploma legal.
- Assim, quando for provado, como o foi neste processo, que a criança já se
encontra integrada no seu novo meio, a autoridade judicial ou administrativa
respectiva não deve ordenar o retorno da criança (art. 12), bem assim, se
existir risco de a criança, em seu retorno, ficar sujeita a danos de ordem
psíquica (art. 13, alínea "b"), como concluiu o acórdão recorrido, tudo isso
tomando na mais alta consideração o interesse maior da criança.
- Com tal delineamento fático dado ao processo, a questão se encontra solvida,
porquanto é vedado nesta via o revolvimento do conjunto de fatos e provas
apresentados pelas partes, tendo em vista que esta Corte toma em consideração
os fatos tais como descritos pelo Tribunal de origem.
Recurso especial não conhecido, por maioria.

c) Fatos e história processual
Trata-se de ação cautelar de busca e apreensão de um menor, nascido em 2000, proposta por seu pai, com o fito de promover o retorno do mesmo aos Estados Unidos, onde residia até ser trazido para o Brasil por sua mãe, com autorização para passar férias, em 2004, sem que tenha retornado depois do prazo expirado.
Ao chegar ao Brasil, a mãe obteve no Poder Judiciário Estadual a guarda provisória da criança. Ao mesmo tempo, o pai ajuizou ação nos Estados Unidos, com base no artigo 15 da Convenção de Haia, havendo ordem do juiz americano para que a criança retornasse imediatamente.
A Justiça Federal do Rio de Janeiro, em 1ª. instância, julgou improcedente a ação por considerar aplicável o artigo 12 da Convenção, ou seja, que a criança já estava integrada ao seu novo meio. Esta sentença foi confirmada, por maioria, em grau de apelação.
O acórdão do TRF2 entendeu que, no caso dos autos, o debate principal dizia respeito ao bem estar da criança. Dada à sua tenra idade e sua perfeita adaptação ao domicílio brasileiro, em situação familiar estável, promover o seu retorno, com a entrega ao pai ensejaria um abalo emocional contrário aos interesses do menor. Isso não significava descumprimento das regras da Convenção, em face da previsão ali existente de exceções para hipóteses de recusa do retorno.
Foi interposto Recurso Especial com a alegação de ofensa aos artigos 12, 13, 16 e 17 da Convenção (que por ter sido aprovada pelo Dec. 3413/00 se equipara à lei federal).
Recebeu, ainda, a Relatora, correspondência oficial da Embaixada Americana atestando a igualdade de condições que teria a mãe de litigar nos Estados Unidos, depois do retorno da criança e externando sua preocupação com as decisões contrárias às regras da convenção, em especial utilizando a fundamentação da ambientação do menor no Brasil, em vista do tempo decorrido de sua vinda ilícita.

d) Resumo do acórdão e seus fundamentos
O STJ circunscreveu o debate às disposições da Convenção da Haia e que a seu ver não possuíam relação com o pedido de guarda, seja o que tramitou na justiça brasileira, seja o da justiça americana.
Cingiu a discussão aos artigos 12 e 13 da Convenção, entendendo que à luz do princípio do melhor interesse da criança, seu retorno seria inadequado. Considerou que no Brasil o melhor interesse da criança tem contornos constitucionais, e por estar provado nos autos que a criança já estava adaptada e seu retorno resultaria em grave risco, consubstanciara-se a situação prevista nos artigos 12 e 13 da convenção. Essa situação decorreu dos fatos apurados, que por ensejarem reexame de prova, proibidos no especial, não deveriam ser revistos.
A Convenção não fora desrespeitada porque o caso se enquadrava na hipótese de recusa de retorno, prevista na própria Convenção.
Acompanharam a Relatora os M. Castro Filho e M. Humberto Gomes de Barros.
O julgado não foi unânime. Para o M. Ari Pargendler houve violação ao artigo 13, b, porque deixou de ser comprovado o grave risco à criança, e não deveria, neste ponto, ser discutido o melhor interesse da criança. Em seguida, o M. Carlos Alberto Direito se manifestou também pelo provimento do especial, uma vez que a consolidação da situação decorrente da retirada ilícita, de per se, inviabilizaria a utilização da Convenção para retiradas ilícitas.
Resultado: Por maioria, não se conheceu do recurso especial.
Foram interpostos Embargos de Declaração, que segundo a Relatora tinha nítidos contornos infringentes, afinal rejeitados.

e) Casos relacionados e citados
Não há outros casos citados, pois este foi o primeiro caso da Convenção a ser julgado pelo STJ.

f) Legislação e artigos discutidos:
Convenção de Haia, artigos 12 e 13.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Links interessantes

Texto da Convenção sobre os Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de Crianças, concluída na cidade de Haia, em 25/10/1980, promulgada pelo Decreto nº. 3.413 de 14/04/2000: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3413.htm

STF - Convenção da Haia - Endereço eletrônico relativo ao seqüestro internacional de crianças: http://www.stf.gov.br/convencaohaia/

Os novos instrumentos de cooperação jurídica internacional e a Convenção Sobre os Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de Crianças

As regras brasileiras existentes para tratar do tema relativo ao seqüestro de menores pelos pais, quando o caso se passa em mais de um país, eram, até 2001, aquelas estabelecidas na Lei de Introdução ao Código Civil e nas demais regras sobre cooperação jurídica internacional. O Brasil modernizou sua legislação e avançou na proteção à infância, ao estabelecer novos instrumentos de cooperação jurídica internacional, com sua adesão à Convenção sobre os Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de Crianças (1980), promulgada pelo Decreto n° 3.413, de 14 de abril de 2000. E em seguida, o Decreto Nº 3.951/2001, designou como Autoridade Central no âmbito desta convenção, a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça, e deu outras providências sobre a regulamentação de suas atividades. Frise-se, ainda, que no Brasil a promoção destas ações quando o pedido é feito à autoridade central são realizadas pela Advocacia Geral da União, em cumprimento ao tratado e perante a Justiça Federal.
Antes da adoção desta Convenção, que inaugura um procedimento de auxílio direto, os meios existentes para obter o retorno da criança ilicitamente retirada do país em que se encontrava, eram, no Brasil, aqueles utilizados nas demais questões internacionais: a carta rogatória ou a homologação da decisão estrangeira, antes no STF, hoje no STJ.
A Convenção de Haia foi finalizada em 1980 e está em vigor em mais de sessenta países. São eles: África do Sul, Alemanha, Argentina, Austrália, Áustria, Bahamas, Belarus, Bélgica, Belise, Bósnia-Herzegovina, Brasil, Bulgária, Burkina Faso, Canadá, Chile, Chipre, Colômbia, Costa Rica, Croácia, Dinamarca, El Salvador, Equador, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estados Unidos, Estônia, Fiji, Finlândia, França, Geórgia, Grécia, Guatemala, Holanda, Honduras, Hong Kong, Hungria, Irlanda, Israel, Islândia, Itália, Iugoslávia, Letônia, Luxemburgo, Macau, Macedônia, Malta, Maurício, México, Moldávia, Mônaco, Nicarágua, Noruega, Nova Zelândia, Panamá, Paraguai, Peru, Polônia, Portugal, Reino Unido, República Dominicana, República Tcheca, Romênia, Saint Kitts e Névis, Sri Lanka, Suécia, Suíça, Tailândia, Trinidad e Tobago, Turquia, Turcomenistão, Uruguai, Uzbequistão, Venezuela e Zimbábue.
Entre suas inovações está o estabelecimento de uma ação específica para o retorno da criança ilicitamente retirada ou não devolvida do país de sua residência habitual, sem se preocupar em estabelecer a guarda da criança. O importante é restabelecer, o mais rápido possível, o status quo ante, de modo que só então a questão da guarda será analisada pelo juiz da causa. No entanto, no curso desse processo, há inúmeras salvaguardas para evitar que a finalidade maior, preservar o melhor interesse da criança, seja maculado. Por isso, há exceções à devolução que cuidam do lapso temporal decorrido da retirada, e do perigo a que a criança poderia estar sujeita se retornar.
Para discutir esse importante tema, foi realizado na Universidade Federal Fluminense, no dia 2 de junho de 2006, o Seminário “A cooperação interjurisdicional no direito da criança e do adolescente”, organizado pelo Professor Ricardo Perlingeiro Mendes da Silva, e pela Promotora de Justiça Lucia Maria Teixeira Ferreira. Esta foi mais uma iniciativa do Grupo de Pesquisa Efetividade da Jurisdição (GPEJ), do Departamento de Direito Privado da UFF. Os expositores foram: Carmen Tiburcio, Advogada e Consultora, Professora de Direito Internacional Privado da UERJ; Jean Albert de Souza Saadi, Juiz de Direito, Professor de Direito Civil da UFF; Nadia de Araújo, Procuradora de Justiça, Professora de Direito Internacional Privado da PUC-RJ; Ricardo Perlingeiro Mendes da Silva, Juiz Federal, Professor de Direito Internacional Privado da UFF. Por sua vez, com destacada presença, havia vários debatedores, a seguir nomeados: Adriano Saldanha, Juiz Federal e Professor de Direito Internacional Privado da Cândido Mendes; Edson Alvisi, Advogado e Professor de Direito Civil da UFF; Eduardo Klausner, Juiz de Direito, Professor de Direito Internacional Privado da Estácio de Sá; Marcela Harumi Takahashi Pereira, Doutoranda em Direito Internacional pela UERJ; Tânia da Silva Pereira, Advogada, Professora de Direito da Criança e do Adolescente da UERJ e Sérvio Túlio dos Santos Vieira, Desembargador, Professor de Direito Civil da UFF. Muitas questões foi alvo de intenso debate, em especial à relativa a decretação do segredo de justiça pela Justiça Federal, sem que pesquisadores e interessados tenham acesso a qualquer informação dos casos em andamento, nem sequer qualquer dado sobre a decisão, ainda que preservando o anonimato das partes. Outros pontos também foram debatidos como a questão da competência para essas ações e as possibilidades de utilização de outros meios para a obtenção de uma decisão favorável à criança, como uma medida cautelar em carta rogatória, já que a adoção da convenção não os invalidou, mas apenas possibilitou a utilização de meios antes inexistentes, como o auxílio da atuação através da autoridade central.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Palestra na Amperj sobre a Convenção de Haia sobre sequestro de menores

Palestra O cuidado como valor jurídico reúne profissionais de diversas áreas na Amperj

Membros do Ministério Público, juízes federais e estaduais, advogados e estudantes de Direito prestigiaram a palestra O cuidado como valor jurídico: a cobrança de alimentos no plano internacional e a convenção sobre os aspectos civis do seqüestro internacional de menores, que aconteceu nesta sexta-feira, dia 9 de maio, no auditório da Amperj.

O encontro teve como expositores duas das maiores autoridades brasileiras no assunto: a Procuradora de Justiça Nádia de Araújo e o Juiz Federal Adriano Saldanha Gomes de Oliveira.

- A Convenção da Haia sobre os aspectos civis do seqüestro internacional de menores é um documento ágil e moderno, baseado na idéia de que o mais importante é restabelecer o status quo ante da criança e não discutir os aspectos relativos à guarda. A Convenção prevê mecanismos de caráter processual que buscam viabilizar o retorno da criança ao seu país de residência habitual, no qual será discutida a guarda do menor - afirmou Nádia de Araújo.

Para o juiz Adriano Saldanha Gomes de Oliveira, o papel do Ministério Público Federal, de acordo com a Convenção de Nova York sobre alimentos, é agir no que concerne, principalmente, à questão da eficácia do direito aos alimentos. No tocante à convenção sobre seqüestro, destacou que as exceções previstas na Convenção para evitar o retorno da criança estão ligadas ao tempo decorrido e à noção de bem-estar do menor.

- A aplicação desta convenção no Brasil, no âmbito da Justiça Federal, trouxe para o dia-a-dia dos advogados e operadores jurídicos da área de família a modalidade de auxílio direto e a necessidade de conhecer melhor os novos instrumentos da cooperação internacional.

A Promotora de Justiça Lucia Maria Teixeira Ferreira, uma das idealizadoras do evento, atuou como mediadora do rico debate que se seguiu após as exposições.

- Foi uma troca de experiências de altíssimo nível, com a Dr. Nádia, que foi membro da delegação brasileira nas negociações da nova convenção de alimentos na Conferência da Haia, e com o Dr. Adriano, que nos trouxe a visão do Judiciário Federal. Os dois palestrantes apresentaram as atualizações sobre os temas, comparando a aplicação da Convenção relativa ao seqüestro no Brasil e nos demais países que a ratificaram, apresentando os inúmeros pontos polêmicos que têm surgido nos últimos anos e dando ênfase ao cuidado e à proteção da infância como os aspectos primordiais- elogiou Lucia, acrescentando que eventos semelhantes serão realizados ao longo deste ano.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Seqüestro de Menores: A Convenção de Haia em debate

A idéia deste blog é criar um forum de discussão sobre a aplicação da Convenção de Haia sobre os aspectos civis do seqüestro de menores no Brasil.
Esse tema, que cuida da proteção da infância, além das questões procedimentais que suscita, inclui-se no âmbito dos estudos de direitos humanos, e a técnica do DIPr também integra esses estudos quando é preciso lidar com casos de criança no plano internacional.

Sua regulamentação, mesmo nos aspectos privados, não perde de vista este viés, ligado aos direitos fundamentais. Nesta área, as fronteiras do direito internacional se diluem e se misturam aspectos públicos e privados. Isso porque, a moderna concepção de direitos humanos – e direitos fundamentais no plano interno–, tem sido aplicada no DIPr para produzir um aggiornamento do sistema, que antes não se preocupava com os resultados obtidos, e agora está afinado com as necessidades do indivíduo. O DIPr não prescinde mais dessa ótica, e adota os preceitos constitucionais na sua metodologia operacional e interpretativa.
O problema mais agudo na relação familiar que se desfaz, e que tem caráter internacional, é o que diz respeito ao seqüestro das crianças por um dos pais ou um parente. Este blog vai discutir vários aspectos do problema, iniciando-se por sua regulamentação internacional, com a análise da Convenção da Haia sobre os aspectos civis do seqüestro de menores, que foi internalizado no Brasil a partir de 2001.
A grande novidade deste documento multilateral é a ênfase na cooperação administrativa entre autoridades centrais, de forma a agilizar os procedimentos e criar uma estrutura que conheça os meandros do dia-a-dia desses problemas, especializando-se e fugindo dos meios tradicionais de cooperação jurídica internacional, que pouco conhecem esses problemas específicos.