sexta-feira, 24 de outubro de 2008

A importância da adesão do Brasil à Convenção da Haia sobre a cláusula de escolha do foro em vista da recente do STJ contra a cláusula

Recentemente o STJ decidiu um recurso especial (n. 804.306), em que se discutia se a existência em contrato internacional de cláusula de eleição foro, determinando que a controvérsia fosse resolvida em Londres, poderia impedir que o processo fosse julgado no Brasil, por força do que dispõe o artigo 88, II do CPC, já que aqui era o local de cumprimento da obrigação.
O recurso acabou não sendo conhecido, mas as razões para tal são importantes porque sinalizam às partes envolvidas no comércio internacional a posição do STJ sobre a matéria. E esta posição é contrária ao que sempre se alegou como possível, ou seja, o cumprimento da Súmula 335 do STJ, de que é válida a eleição de doro para os processos oriundos de contratos. Para o STJ, esta súmula não prevalece se o contrato for internacional. Reitera o STJ a posição já sustentada no RESP 251.438, de que a existência de qualquer das hipóteses do artigo 88 do CPC não permite que o juiz nacional se declare incompetente se houver cláusula de eleição de foro estrangeiro.
A posição é uma ducha de água fria para os que elegem a via judicial para seus litígios internacionias, já que a situação é completamente diversa se houver cláusula arbitral no contrato internacional. Na arbitragem, por força da permissão expressa da Lei 9307/06, não haverá problema dessa natureza e a eleição do foro para a arbitragem será respeitada. Inúmeras decisões do STJ são nesse sentido, especialmente quando há contestação nos casos em que a sentença arbitral estrangeira é levada ao STJ para ser homologada, o que tem sido deferido na maior parte das vezes. É também mais uma indicação de que afora os casos de arbitragem, o STJ não endossa a tese de que as partes tem autonomia para escolher o foro mais adequado em um caso internacional.
A par da enorme discussão acadêmica sobre a existência ou não da autonomia da vontade para os contratos internacionais no Brasil, é importante frisar que o marco legal não ajuda a questão, pois a Lei de Introdução não a permite de forma expressa, nem tampouco o Código de Processo Civil. Tome-se como exemplo o caso do Mercosul, em que o Protocolo de Buenos Aires expressamente disse que se houver escolha do foro, o juiz de outro local não pode julgar a causa. Diante dessa norma, certamente a decisão do STJ seria diferente se os países envolvidos pertencessem ao bloco. Por isso, na ausência de regras legais claras, a jurisprudência não tem caminhado na mesma direção desejada pelas partes que incluem essas cláusulas em seus contratos.
Uma solução para mudar essa situação, seria a adoção pelo Brasil da Convenção da Haia sobre a cláusula de escolha de foro, que foi finalizada em 2005 e já foi ratificada pelo México, havendo notícia de que a União Européia estuda sua adesão.
A convenção é uma expressão da importância do princípio da autonomia da vontade nos contratos internacionais, e tem por objetivo determinar, de forma clara, qual o Tribunal responsável para julgar um litígio de partes envolvidas no comércio internacional que optaram pela via judicial, dando a esta a mesma segurança jurídica que hoje possuem os contratos que elegeram a via arbitral.
A Convenção pauta-se pelo respeito a três regras essenciais e que estão interligadas: i) o foro escolhido deve exercer a jurisdição; ii) qualquer outro foro deve declinar sua jurisdição se houver cláusula escolhendo outro local; e iii) todos os demais tribunais devem reconhecer e executar uma decisão proveniente do tribunal escolhido, que tem prioridade para resolver a questão.
Se a convenção tivesse sido internalizada, certamente decisões como a recente do STJ poderiam ter outro desfecho e dar às partes segurança de que suas escolhas foram respeitadas.

Para o texto da convenção, ver em www.hcch.net e para um estudo sobre ela, ver ARAUJO, Nadia, "Convenção de Haia sobre escoha de foro e o Brasil: necessidade de sua adoção", in Revista Brasileira de Arbitragem, n. 18, 2008, p.27/38.