Contratos internacionais e o novo CPC
Nadia de Araújo, Daniela Vargas e Lauro Gama
16/09/2010
Aspecto pouco conhecido do recente anteprojeto de novo Código de Processo Civil (CPC) é a alteração, para melhor, das regras sobre a jurisdição internacional dos tribunais brasileiros. Ao conferir caráter obrigatório à cláusula de escolha do foro inserida em contrato internacional, a comissão de juristas incumbida da reforma acatou as sugestões formuladas por professores de direito internacional privado, preocupados em alinhar o Brasil à tendência mundial de privilegiar a autonomia da vontade nas relações transnacionais.
Além das hipóteses usuais de competência concorrente e privativa da Justiça brasileira, previstas nos artigos 88 e 89 do atual CPC, o anteprojeto afirma a jurisdição internacional de nossos tribunais em três situações adicionais: i) cobrança de alimentos, ii) relações de consumo e iii) eleição do Brasil como foro do contrato internacional. De igual modo, também garante a escolha das partes para que um tribunal estrangeiro julgue, com exclusividade, qualquer litígio surgido entre elas.
Meritória, a proposta de reforma do CPC cria um sistema coeso e responde adequadamente à tormentosa pergunta sobre qual o foro competente para julgar um litígio contratual de índole internacional. Para fazê-lo, lança mão de princípio-chave na matéria: a autonomia da vontade das partes. De um lado, o artigo 21, III, do anteprojeto confere efeito positivo à eleição de foro, validando a indicação do juiz brasileiro como autoridade competente para decidir as causas relativas ao contrato. Assim, mesmo que a lei não preveja a jurisdição brasileira nas circunstâncias do contrato, a vontade das partes suprirá a lacuna, afirmando a competência dos tribunais nacionais. De outra banda, o artigo 24 do anteprojeto reconhece o efeito negativo da convenção de foro, impedindo que a autoridade judiciária brasileira atue nas causas em que as partes tenham escolhido um tribunal estrangeiro exclusivo para apreciá-las. Nesses casos, o juiz brasileiro abster-se-á de julgar a demanda, rendendo-se à vontade das partes.
O anteprojeto elimina a inconstância da jurisprudência nacional sobre o tema
Cláusulas de eleição de foro são úteis em contratos internacionais, assim como as cláusulas de direito aplicável e as de arbitragem. No mundo contemporâneo, com 200 Estados soberanos, a escolha de foro constitui imperativo estratégico da advocacia contratual. É que vários países podem, simultaneamente, exercer jurisdição sobre a mesma causa. Surgido o litígio, é comum que as partes recorram a Judiciários de países distintos, buscando aquele que melhor lhes convenha, seja por razões de celeridade e menor custo do processo, seja porque a lei aplicável ao mérito da disputa lhes é mais favorável num país do que no outro. A incerteza e insegurança jurídica geradas por essas múltiplas possibilidades abertas aos litigantes aumentam os custos de transação associados à contratação. Daí o apelido nada elogioso dessas situações: "forum shopping".
Ainda não há regras sobre jurisdição internacional universalmente aceitas. Porém, em 2005, celebrou-se importante convenção internacional sobre eleição de foro, sob a égide da Conferência da Haia de Direito Internacional Privado. Já assinada pelo México, União Européia e Estados Unidos, a Convenção da Haia sobre Acordos de Eleição de Foro em poucos anos entrará em vigor, firmando-se como paradigma legislativo sobre o tema. Um de seus aspectos fundamentais é garantir que a escolha das partes em favor de um foro exclusivo seja respeitada de forma automática pelos países signatários.
Trilhando o mesmo caminho, a proposta de reforma do CPC brasileiro é uma luz no fim do túnel. Além de suprir importante lacuna no direito positivo, o anteprojeto elimina a perigosa inconstância da jurisprudência nacional sobre o tema. Não raro, nossos tribunais, mesmo diante da expressa eleição de foro estrangeiro no contrato, optam por desprezar a vontade das partes e a boa-fé objetiva, privilegiando uma suposta primazia da jurisdição brasileira. O novo CPC também induz coerência no sistema jurídico brasileiro, que há mais de uma década prestigia a solução de controvérsias pela via arbitral. Tanto a Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/96) como o artigo II da Convenção de Nova York (1958) obrigam o juiz brasileiro a abster-se de julgar a causa quando as partes tiverem ajustado a arbitragem, com sede no Brasil ou qualquer outro país. Entretanto esse mesmo juiz, o mais das vezes, não reconhece a eficácia da escolha de foro estrangeiro. Por que dois pactos tão semelhantes são tratados de modo tão diverso pelo direito nacional?
Com o anteprojeto de CPC, que promove normas eficazes e transparentes para a eleição de foro em contratos transnacionais, nosso país dá um passo enorme rumo à modernidade em matéria de direito do comércio internacional. E também dá um belo exemplo de colaboração e diálogo profícuo entre a comunidade acadêmica especializada, o Judiciário e o Poder Legislativo.
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Além de suprir importante lacuna no direito positivo, o anteprojeto elimina a perigosa inconstância da jurisprudência nacional sobre o tema. Não raro, nossos tribunais, mesmo diante da expressa eleição de foro estrangeiro no contrato, optam por desprezar a vontade das partes e a boa-fé objetiva, privilegiando uma suposta primazia da jurisdição brasileira. O novo CPC também induz coerência no sistema jurídico brasileiro, que há mais de uma década prestigia a solução de controvérsias pela via arbitral. Tanto a Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/96) como o artigo II da Convenção de Nova York (1958) obrigam o juiz brasileiro a abster-se de julgar a causa quando as partes tiverem ajustado a arbitragem, com sede no Brasil ou qualquer outro país. Entretanto esse mesmo juiz, o mais das vezes, não reconhece a eficácia da escolha de foro estrangeiro. Por que dois pactos tão semelhantes são tratados de modo tão diverso pelo direito nacional?
Com o anteprojeto de CPC, que promove normas eficazes e transparentes para a eleição de foro em contratos transnacionais, nosso país dá um passo enorme rumo à modernidade em matéria de direito do comércio internacional. E também dá um belo exemplo de colaboração e diálogo profícuo entre a comunidade acadêmica especializada, o Judiciário e o Poder Legislativo.
Nadia de Araújo, Daniela Vargas e Lauro Gama são professores de direito internacional privado da PUC-Rio.
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sexta-feira, 17 de setembro de 2010
domingo, 15 de agosto de 2010
8o Congresso de Direito Internacional - Foz do Iguaçu, 18 a 21 de agosto Palestra sobre projeto de CPC e a Convenção da Haia sobre a escolha do foro
A Prof. Nadia de Araujo vai participar do 8o. Congresso de Direito Internacional, que realizar-se-á em Foz do Iguaçu, de 18 a 21 de agosto.
Sua palestra versará sobre as inovações do Projeto de Código de Processo Civil, atualmente no Senado, na parte relativa a competência internacional. O projeto inova ao estabelecer uma regra que dá obrigatoriedade à cláusula de escolha do foro estrangeiro, na linha do que dispõe a Convenção da Haia sobre a cláusula de escolha do foro, de 2005, que ainda não está em vigor no Brasil. No entanto, essa mudança facilita a adoção do convenio internacional pelo Congresso Nacional no futuro e alinha o Brasil à legislação dos países europeus, que já o fizeram com as normas do Regulamento 44/2001.
Veja as novidades do artigo 21 e 24:
Art. 21. Também caberá à autoridade judiciária brasileira processar e julgar as ações:
I - de alimentos, quando:
a) o credor tiver seu domicílio ou sua residência no Brasil;
b) o réu mantiver vínculos pessoais no Brasil, tais como posse de bens, recebimento de renda ou obtenção de benefícios econômicos.
II - decorrentes de relações de consumo, quando o consumidor tiver domicílio ou residência no Brasil;
III - em que as partes, expressa ou tacitamente, se submeterem à jurisdição nacional.
Art. 24. Não cabem à autoridade judiciária brasileira o processamento e o julgamento das ações quando houver cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro, arguida pelo réu na contestação.
Parágrafo único. Não se aplica o disposto no caput às hipóteses de competência internacional exclusiva previstas neste Capítulo.
Sua palestra versará sobre as inovações do Projeto de Código de Processo Civil, atualmente no Senado, na parte relativa a competência internacional. O projeto inova ao estabelecer uma regra que dá obrigatoriedade à cláusula de escolha do foro estrangeiro, na linha do que dispõe a Convenção da Haia sobre a cláusula de escolha do foro, de 2005, que ainda não está em vigor no Brasil. No entanto, essa mudança facilita a adoção do convenio internacional pelo Congresso Nacional no futuro e alinha o Brasil à legislação dos países europeus, que já o fizeram com as normas do Regulamento 44/2001.
Veja as novidades do artigo 21 e 24:
Art. 21. Também caberá à autoridade judiciária brasileira processar e julgar as ações:
I - de alimentos, quando:
a) o credor tiver seu domicílio ou sua residência no Brasil;
b) o réu mantiver vínculos pessoais no Brasil, tais como posse de bens, recebimento de renda ou obtenção de benefícios econômicos.
II - decorrentes de relações de consumo, quando o consumidor tiver domicílio ou residência no Brasil;
III - em que as partes, expressa ou tacitamente, se submeterem à jurisdição nacional.
Art. 24. Não cabem à autoridade judiciária brasileira o processamento e o julgamento das ações quando houver cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro, arguida pelo réu na contestação.
Parágrafo único. Não se aplica o disposto no caput às hipóteses de competência internacional exclusiva previstas neste Capítulo.
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