sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Eleição de foro: proposta do novo CPC e a convenção da Haia de escolha de foro, de 2005

Contratos internacionais e o novo CPC
Nadia de Araújo, Daniela Vargas e Lauro Gama
16/09/2010


Aspecto pouco conhecido do recente anteprojeto de novo Código de Processo Civil (CPC) é a alteração, para melhor, das regras sobre a jurisdição internacional dos tribunais brasileiros. Ao conferir caráter obrigatório à cláusula de escolha do foro inserida em contrato internacional, a comissão de juristas incumbida da reforma acatou as sugestões formuladas por professores de direito internacional privado, preocupados em alinhar o Brasil à tendência mundial de privilegiar a autonomia da vontade nas relações transnacionais.
Além das hipóteses usuais de competência concorrente e privativa da Justiça brasileira, previstas nos artigos 88 e 89 do atual CPC, o anteprojeto afirma a jurisdição internacional de nossos tribunais em três situações adicionais: i) cobrança de alimentos, ii) relações de consumo e iii) eleição do Brasil como foro do contrato internacional. De igual modo, também garante a escolha das partes para que um tribunal estrangeiro julgue, com exclusividade, qualquer litígio surgido entre elas.
Meritória, a proposta de reforma do CPC cria um sistema coeso e responde adequadamente à tormentosa pergunta sobre qual o foro competente para julgar um litígio contratual de índole internacional. Para fazê-lo, lança mão de princípio-chave na matéria: a autonomia da vontade das partes. De um lado, o artigo 21, III, do anteprojeto confere efeito positivo à eleição de foro, validando a indicação do juiz brasileiro como autoridade competente para decidir as causas relativas ao contrato. Assim, mesmo que a lei não preveja a jurisdição brasileira nas circunstâncias do contrato, a vontade das partes suprirá a lacuna, afirmando a competência dos tribunais nacionais. De outra banda, o artigo 24 do anteprojeto reconhece o efeito negativo da convenção de foro, impedindo que a autoridade judiciária brasileira atue nas causas em que as partes tenham escolhido um tribunal estrangeiro exclusivo para apreciá-las. Nesses casos, o juiz brasileiro abster-se-á de julgar a demanda, rendendo-se à vontade das partes.
O anteprojeto elimina a inconstância da jurisprudência nacional sobre o tema
Cláusulas de eleição de foro são úteis em contratos internacionais, assim como as cláusulas de direito aplicável e as de arbitragem. No mundo contemporâneo, com 200 Estados soberanos, a escolha de foro constitui imperativo estratégico da advocacia contratual. É que vários países podem, simultaneamente, exercer jurisdição sobre a mesma causa. Surgido o litígio, é comum que as partes recorram a Judiciários de países distintos, buscando aquele que melhor lhes convenha, seja por razões de celeridade e menor custo do processo, seja porque a lei aplicável ao mérito da disputa lhes é mais favorável num país do que no outro. A incerteza e insegurança jurídica geradas por essas múltiplas possibilidades abertas aos litigantes aumentam os custos de transação associados à contratação. Daí o apelido nada elogioso dessas situações: "forum shopping".
Ainda não há regras sobre jurisdição internacional universalmente aceitas. Porém, em 2005, celebrou-se importante convenção internacional sobre eleição de foro, sob a égide da Conferência da Haia de Direito Internacional Privado. Já assinada pelo México, União Européia e Estados Unidos, a Convenção da Haia sobre Acordos de Eleição de Foro em poucos anos entrará em vigor, firmando-se como paradigma legislativo sobre o tema. Um de seus aspectos fundamentais é garantir que a escolha das partes em favor de um foro exclusivo seja respeitada de forma automática pelos países signatários.
Trilhando o mesmo caminho, a proposta de reforma do CPC brasileiro é uma luz no fim do túnel. Além de suprir importante lacuna no direito positivo, o anteprojeto elimina a perigosa inconstância da jurisprudência nacional sobre o tema. Não raro, nossos tribunais, mesmo diante da expressa eleição de foro estrangeiro no contrato, optam por desprezar a vontade das partes e a boa-fé objetiva, privilegiando uma suposta primazia da jurisdição brasileira. O novo CPC também induz coerência no sistema jurídico brasileiro, que há mais de uma década prestigia a solução de controvérsias pela via arbitral. Tanto a Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/96) como o artigo II da Convenção de Nova York (1958) obrigam o juiz brasileiro a abster-se de julgar a causa quando as partes tiverem ajustado a arbitragem, com sede no Brasil ou qualquer outro país. Entretanto esse mesmo juiz, o mais das vezes, não reconhece a eficácia da escolha de foro estrangeiro. Por que dois pactos tão semelhantes são tratados de modo tão diverso pelo direito nacional?
Com o anteprojeto de CPC, que promove normas eficazes e transparentes para a eleição de foro em contratos transnacionais, nosso país dá um passo enorme rumo à modernidade em matéria de direito do comércio internacional. E também dá um belo exemplo de colaboração e diálogo profícuo entre a comunidade acadêmica especializada, o Judiciário e o Poder Legislativo.
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Além de suprir importante lacuna no direito positivo, o anteprojeto elimina a perigosa inconstância da jurisprudência nacional sobre o tema. Não raro, nossos tribunais, mesmo diante da expressa eleição de foro estrangeiro no contrato, optam por desprezar a vontade das partes e a boa-fé objetiva, privilegiando uma suposta primazia da jurisdição brasileira. O novo CPC também induz coerência no sistema jurídico brasileiro, que há mais de uma década prestigia a solução de controvérsias pela via arbitral. Tanto a Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/96) como o artigo II da Convenção de Nova York (1958) obrigam o juiz brasileiro a abster-se de julgar a causa quando as partes tiverem ajustado a arbitragem, com sede no Brasil ou qualquer outro país. Entretanto esse mesmo juiz, o mais das vezes, não reconhece a eficácia da escolha de foro estrangeiro. Por que dois pactos tão semelhantes são tratados de modo tão diverso pelo direito nacional?
Com o anteprojeto de CPC, que promove normas eficazes e transparentes para a eleição de foro em contratos transnacionais, nosso país dá um passo enorme rumo à modernidade em matéria de direito do comércio internacional. E também dá um belo exemplo de colaboração e diálogo profícuo entre a comunidade acadêmica especializada, o Judiciário e o Poder Legislativo.

Nadia de Araújo, Daniela Vargas e Lauro Gama são professores de direito internacional privado da PUC-Rio.

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