domingo, 13 de março de 2011

Trabalho dos grupos para a reunião de 25 de abril: relatório Prof. Lauro Gama sobre contratos internacionais

A reunião preparatória da ASADIP sobre os temas da conferência da Haia está em fase de finalização dos relatórios dos grupos.
Segue abaixo o relatório preliminar do Prof. Lauro Gama, para o Grupo de Contratos internacionais:
A crescente globalização da economia, notadamente nas duas últimas décadas do século XX, e seu impacto nas relações políticas e sociais internacionais teve como resultado a fragmentação do processo de elaboração ou criação normativa. Atualmente, tal como ocorreu na Idade Média e antes disso, a criação de normas jurídicas não é mais um monopólio do legislador nacional (ou internacional). Dito por outras palavras, outros atores, distintos dos Estados-nacionais, agora estão em cena, em particular na arena internacional, e se dedicam a produzir conjuntos normativos destinados à regulação de várias relações do comércio internacional. Um direito de origem não-legislativa e despido das características vinculantes do direito estatal, quer o direito doméstico, quer o originário de tratados e convenções adotados pelo Estado.

Na esfera do Direito do Comércio Internacional há extensos conjuntos de normas sobre contratos, cartas de crédito e operações bancárias, criados pela Câmara de Comércio Internacional (“CCI”), com sede em Paris. Mais recentemente, o Instituto para a Unificação do Direito Privado
(“UNIDROIT”) elaborou uma bem-sucedida consolidação de princípios e regras sobre os vários aspectos dos contratos internacionais – os Princípios do UNIDROIT relativos aos Contratos Comerciais Internacionais.

O reduzido número de ratificações de convenções e tratados internacionais clássicos sobre o tema revela que a opção pela Conferência da Haia em favor da metodologia de regulação dos conflitos de leis em matéria de contratos internacionais através desses instrumentos não se tem revelado eficiente.

Apesar disso, a Conferência da Haia reconhece a existência de variadas e urgentes razões para dedicar-se à elaboração de regras sobre o Direito Aplicável aos Contratos Internacionais.

Primeiramente, verifica-se que não há, nessa matéria, um conjunto de regras de conflito de caráter universal, com abrangência geográfica global. Com efeito, os instrumentos internacionais hoje existentes, e que lidam com o direito aplicável aos contratos internacionais, ora possuem âmbito de aplicação limitado, ora são percebidos apenas como de índole regional. Como é sabido, o Regulamento (CE) n° 593/2008 da União Européia (mais conhecido como “Roma I”) dirige-se de modo geral aos juízes e tribunais de seus 27 Estados-membros que se deparem com o problema da escolha da lei aplicável ao contrato. De outro lado, a Convenção Interamericana sobre o Direito Aplicável aos Contratos Internacionais (México, 1994), cujo âmbito de aplicação espacial não é, contudo, limitado aos países-membros da OEA, verificou na prática uma reduzida aceitação, já que se acha em vigor apenas para o México e a Venezuela.

A segunda razão em favor de um novo instrumento é a falta de regras universais que, no contexto da arbitragem comercial internacional, venham em auxílio das partes e dos árbitros para o fim de determinação do direito aplicável ao acordo de arbitragem e ao contrato principal objeto da disputa. Porque os árbitros não possuem uma lex fori, ao contrário dos juízes estatais, não raro é problemática, para eles, determinar qual o sistema de conflitos de leis a ser adotado para indicar o direito aplicável à controvérsia. Ademais, somente algumas poucas instituições arbitrais possuem regras claras e detalhadas sobre esse aspecto particular da arbitragem internacional.

A terceira e última razão que justifica a elaboração de um novo instrumento é o fato de que em vários países, inclusive no Brasil, o princípio da autonomia da vontade não é claramente aceito nem desenvolvido de modo adequado.

Daí a necessidade de um instrumento internacional de normas de soft law (flexíveis, não-vinculantes), dotadas de abrangência universal, para regular o direito aplicável aos contratos internacionais.

Como foi divulgado pela Profa. Nadia de Araújo e se acha melhor detalhado no Preliminary Documento No 6 of February 2011 já distribuído e ora anexado a esta mensagem, um Working Group foi formado e reuniu-se em duas ocasiões em 2010, devendo reencontrar-se na última semana de junho/2011, para avançar na discussão dos temas pendentes, e relativos à elaboração de um instrumento de caráter não-vinculante, contendo normas de DIPr para a determinação do direito aplicável ao contrato internacional, na ausência de escolha pelas partes.

Uma novidade desse instrumento é a possibilidade de escolha dirigida ao direito não-estatal como norma regente do contrato internacional. Sobre esse tema, em particular, há importantes questões pendentes, como: a) a possibilidade de tal escolha ser efetiva perante tribunais estatais como em tribunais arbitrais; b) a determinação do que é “direito não-estatal”
(Lex mercatoria? Princípios gerais do direito contratual? Usos do comércio? Regras religiosas – e.g., que proíbem o pagamento de juros?
Espero que tenhamos uma discussão proveitosa no dia 25 de março. Convido a quem não puder comparecer pessoalmente a enviar sua contribuição por escrito ao meu email: lauro.gama@puc-rio.br

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