quarta-feira, 23 de junho de 2010

Convenção da Haia de 2005 inspira Projeto de Código de Processo Civil com norma sobre cláusula de eleição de foro, em contratos internacionais

O Projeto de Código de Processo Civil foi apresentado à comunidade jurídica brasileira no dia 8 de junho do corrente. A Comissão presidida pelo Ministro Luiz Fux trouxe modificações importantes no que diz respeito à jurisdição internacional do Brasil, aliando o país, afinal, às correntes já incorporadas em outros países, de promover a autonomia da vontade das partes na questão da escolha do foro.

O projeto de CPC, além das hipóteses usuais de jurisdição brasileira, ainda tem algumas hipóteses adicionais, que constam do artigo 21, o que representa necessária inovação ao tema.

Vários professores de Direito Internacional Privado, entre eles os da PUC-Rio (Nadia de Araujo, Lauro Gama e Daniela Vargas) remeteram à Comissão as sugestões da área, que auxiliaram a elaboração dos novos artigos. A proposta foi apresentada pela Prof. Nadia de Araujo na audiência pública para discutir propostas para o novo CPC, realizada no Tribunal de Justiça do Estadod do Rio de Janeiro.

O objeto deste comentário é o inciso III, conjugado com o artigo 24, que cuidaram de estabelecer um sistema coeso para os problemas relativos à cláusula de eleição de foro em contratos internacionais.

Pela proposta, foi estabelecido que caberá à autoridade brasileira processar e julgar as ações em que as partes tácita ou expressamente se submeterem à jurisdição brasileira. Esse inciso deve ser lido em conjunto com o artigo 24, em que o aspecto negativo da regra aparece, quando se determina não caber à autoridade judiciária brasileira julgar os casos em que houver cláusula de eleição de foro exclusivo elegendo o foro estrangeiro. Ou seja, havendo cláusula expressa indicando a jurisdição nacional, nada pode demover a ação da nossa jurisdição, e para que a regra tenha efeito bilateral, se por seu turno houver no contrato uma cláusula excluindo a jurisdição brasileira, a exclusão terá que ser respeitada.

A inclusão de cláusulas de escolha de foro em contratos internacionais é uma prática necessária uma vez que diversos países podem ser competentes ao mesmo tempo, em face da inexistência de regras internacionais uniformes e universalmente aceitas sobre jurisdição internacional. Quando o litígio surge, frequentemente autor e réu recorrem a judiciários distintos, porque procuram utilizar o tribunal do país que mais lhes beneficia, seja em decorrência da lei aplicável ao mérito ou ao processo no foro escolhido. A incerteza gerada por essas múltiplas possibilidades deste verdadeiro forum shopping pode afetar o custo da contratação, seus termos e mesmo sua existência. Daí porque a cláusula arbitral assumiu, com o passar dos anos, grande importância no contexto desses contratos.

Para dar as partes certeza sobre o local de um futuro litígio, permite-se, através do princípio da autonomia da vontade a liberdade de clausular sobre o foro. E depois, garantir o reseito a essa escolha feita pelas partes seja respeitado pelos tribunais é uma forma de auxiliar a obtenção de segurança jurídica na contratação internacional.

No Brasil, embora seja conhecida e permitida a escolha do foro nos contratos internos, não havia norma específica para os contratos internacionais e a jurisprudência sobre o tema tem sido vacilante, nem sempre reconhecendo a validade da prorrogação de foro determinada.

A proposta do novo CPC, que respeita a opção de foro das partes, representa grande avanço para tornar o país mais afeito às cláusulas já classicamente utilizadas no comércio internacional. No plano global, a Conferência da Haia para o Direito Internacional Privado realizou uma convenção internacional com esse propósito, a Convenção da Haia sobre a cláusula de eleição de foro, de 2005. A Convenção está em processo de ratificação pelos signatários, sendo de se destacar a União Européia e os Estados Unidos. Um dos princípios mais importantes da convenção é garantir que a escolha das partes por um foro exclusivo para dirimir suas controvérsias seja respeitado de forma automática pelos países signatários.

O Brasil participou das negociações da Convenção de 2005 e está avaliando se vai assinar esta convenção, mas o artigo inserido no Projeto de Código de Processo Civil demonstra que o país caminha na direção proposta pela convenção, considerado como um instrumento valioso para a promoção de normas eficazes e transparentes para o comércio internacional.

A Convenção baseia-se em três regras para os tribunais. Na primeira, um tribunal designado pelas partes, sendo de um país signatário, não pode eximir-se de julgar a causa, salvo algumas exceções bastante restritas. A idéia é evitar que um tribunal escolhido possa recusar, com base em suas normas internas, a julgar o caso em questão. A segunda regra cuida do tribunal em que a ação foi proposta, mas que não é o tribunal escolhido pelas partes. Esta é a segunda regra-chave da convenção. Se o tribunal escolhido é de um país-parte da convenção, o outro tribunal, em que a ação foi iniciada, deve abster-se de aceitar a jurisdição, mesmo que sua lei interna lhe conferisse competência para a matéria, em respeito ao acordo internacional em questão. A terceira regra diz respeito ao reconhecimento da decisão obtida na jurisdição escolhida, que não pode ter recusado o seu reconhecimento e execução pelo tribunal de outro país.

O projeto do novo CPC respeita essas regras nos artigos citados e auxilia a adequação da legislação brasileira aos novos parâmetros já em vigor nos outros países.

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