domingo, 10 de agosto de 2008

Decisão do Tribunal do 2o Circuito Americano sobre a Convenção de Haia de sequestro de menores: o entendimento sobre a aplicação da lei estrangeira

O Tribunal de (Second Circuit), na semana passada, emitiu uma decisão que dividiu o painel julgador no caso de Duran contra Beaumont, nº. 06-cv-5614 (2d Cir. 2008). O caso versava sobre a decisão de uma mãe chilena de levar sua filha aos Estados Unidos e lá permanecer, apesar de ordem contrária da justiça chilena. Os pais da criança - ambos chilenos - recentemente haviam se separado, não havendo acordo formal com relação aos direitos de custódia sobre a criança. Apesar disso, a criança morava com a mãe, que - por lei - não poderia retirar a filha do Chile sem a permissão do pai. Quando o pai negou autorização para que sua ex-esposa viajasse com a filha para os Estados Unidos, a mãe da criança obteve uma autorização judicial permitindo uma viagem por período limitado - 3 meses- com sua filha. Após expirado o prazo de três meses, a mãe e a criança não retornaram dos Estados Unidos.

O pai, Hugo Alejandro Villegas Duran, ajuizou ação em Nova Iorque requerendo o regresso da criança. A competência jurisdicional no âmbito da Convenção de Seqüestro de Haia estava em discussão. Se o pai tivesse “direitos de custódia” de acordo com a lei da residência habitual da criança - na hipótese, Chile - a Corte poderia determinar o regresso da criança. Se, no entanto, o pai tivesse apenas o “direito de visita” à criança, como a corte distrital considerou no caso, então a justiça não poderia sanar o problema.

A autoridade central chilena submeteu um affidavit em apoio ao pai, sob o argumento de que o pai tinha a “custódia” da criança de acordo com a lei chilena, uma vez que a criança não poderia deixar o país sem o seu consentimento. A corte distrital, e posteriormente o Tribunal de Justiça, não deram peso a essa opinião. Embora seja cediço que a interpretação dada por um Estado soberano acerca de sua própria legislação mereça uma “certa deferência” nas cortes americanas, o Tribunal dos EUA não é obrigado a segui-la, com “absoluta deferência”. “O ponto de vista de Estado estrangeiro acerca de sua própria legislação é relevante - embora não decisivo - e possui certo grau de deferência.”[1] Nos casos em que esta interpretação conflitar com precedente judicial prévio sobre uma questão, esse precedente deve reger o caso. No presente caso, o Tribunal de Justiça Americano manifestou-se, determinando que o direito “ne exeat” (ou seja, o direito do pai ou da mãe de determinar se uma criança irá deixar o país) não equivale ao direito de custódia no âmbito da Convenção sobre Seqüestro a de Haia. Neste sentido, com relação à criança, o pai tinha apenas “direito de visita” e não “direito de custódia”. A corte de Nova Iorque, portanto, não possuía jurisdição para ordenar o regresso da criança. Esta decisão fez com que o juiz, enérgico, se opusesse à recusa do júri de dar credibilidade à Autoridade Central Chilena.

Este caso é interessante não apenas pela aplicação da Convenção de Haia, mas sobretudo como uma demonstração da necessidade (e dificuldade) em desenvolver algum mecanismo uniforme para os tribunais nacionais na hora de determinar qual legislação prevalecerá (nacional ou estrangeira). No caso, até mesmo com um tratado internacional demandando uma Autoridade Central de um estado contratante para elaborar uma opinião de acordo com a sua lei interna própria, o tribunal ainda assim decidiu ignorar essa decisão em favor de seu próprio precedente. O resultado, assim sendo, é uma complexidade de conceitos de leis estrangeiras em cortes americanas, que tendem a ser aplicadas repetidamente em diferentes casos, erroneamente. Poderá uma nova convenção internacional sobre a prova do direito estrangeiro resolver este problema de forma adequada?
[1] Karaha Bodas Co., LLC contra Perusahaan Pertambangan Minyak Dan Bumi Gas Negara, 313 F.3d 70, 92 (2d Cir. 2002).
Observação: notícia publicada no sítio www.conflictoflaws.net e traduzida pela mestranda em direito internacional, UERJ, Lidia Spitz.

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